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Channel: Virada Cultural 2013 » Ilú Obá de Min
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Sábado à noite: Raça Negra, Lobão, Daniela & Zimbo Trio, Paulo Diniz

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Parti do vale do Anhangabaú antes mesmo de sair o cortejo de culturas tradicionais (foto acima, de Thiago Coelho). Corri para a sala de imprensa da Praça das Artes. Publiquei às pressas um semi-fototexto, ainda movido pela ilusão de que seria possível conciliar e sincronizar os atos de participar da Virada e de escrever sobre ela. (Não demoraria para eu resolver deixar os textos para depois e me concentrar apenas em comentar o que via pelo meu twitter @pdralex.)

O plano perfeito era inaugurar minha rodada particular de shows imperdíveis com o início da apresentação do Raça Negra, do qual passei a gostar demais nos últimos anos, em grande parte influenciado por amigos muito próximos e mais jovens que eu, que eram crianças nos anos de maior sucesso do grupo paulista de samba. Mas, a caminho do palco da praça da República, me dispersei e parei encantado para ver uma programação alternativa, de diversos grupos de (imagino) peruanos vestidos de indígenas que rodopiavam em transe ao som de flautas e sintetizadores (foto abaixo).

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Já comecei perdendo meu próprio bonde: quando cheguei à República, o show já tinha começado e o Raça cantava (ai, que delícia) “Me Leva Junto com Você” (1994): “Ningém te pertenceu/ ninguém te ama como eu”. Alguém me chamou aqui mesmo no blog de “pobre de espírito” por gostar de Raça Negra, mas o parentesco deles com meu ídolo maior, o carioca Jorge Ben (Jor), é o que me faz de morrer de ternura pelo samba popificado, impuro, rockeado dessa banda sentimentalíssima que retrata como poucas uma parte de São Paulo que nunca aparece nos cadernos culturais.

A sensação de “preciso ver um pouco de tudo” ainda me dominava, e não demorei mais que uma música e meia para correr para o palco roqueiro da avenida São João - fazendo o caminho inverso do Timpin, que provavelmente na mesma hora fugia do Lobão rumo ao Raça Negra.

Lobão é um caso complicado. Demanda e reivindica muita atenção dos jornalistas e críticos culturais, ao mesmo tempo em que promove sistematicamente uma auto-concorrência entre suas opiniões midiáticas sobre qualquer assunto e as obras que produz. Eu queria ver se estava correndo tudo bem no show dele. Queria ouvir os discursos vociferantes contra o governo petista (segundo a narrativa parcial do Timpin, parece que não houve). Tinha vontade de conferir qual era, ao vivo, o humor atual do Grande Lobo.

Vi tanto do show do Lobão quanto havia visto do do Raça, pouco mais que uma música inteira – um rock lancinante, que, embora eu conhecesse, não me lembro mais qual era. As falas rancorosas do Lobão há tempos têm criado um campo de força que me afasta do que ele canta. O Lobão que amo é o mais suave, das baladas-rock doloridas dos anos de Vida Bandida (1987) e Cuidado! (1988), a mesma época em que ele era perseguido e preso por um sistema policial ainda em grande medida herdeiro da ditadura civil-militar que acabara oficialmente em 1985. Brigo internamente com o ódio que Lobão tem expulsado (seja falando ou cantando) nestes tempos de agora, quando somos uma democracia talvez titubeante, mas, sim, uma democracia.

Achei que estava tudo bem no Lobão e me pirulitei, não sei se antes ou depois da acidentada performance à revelia de Paulinho Fluxus na testa do Lobão. Infelizmente, perdi a performance de raio laser, que deve (ou deveria) ter sido legal. Ao ler mais tarde sobre a prisão do artista por conta da projeção na testa do cantor, fiquei pensando como os tempos de prender roqueiros por uso de drogas são diferentes dos tempos de prender performers por projeções de laser na testa de quem já foi preso por uso de drogas. Certamente, Paulinho já está em liberdade – Lobão, nos anos 1980, amargou anos de processos, julgamentos e prisões.

Dali eu ia para o inverso simétrico do Lobão conservador de 2013: o (re)encontro de uma artista projetada na década seguinte à dele, Daniela Mercury - recém-transformada em mestra-sala & porta-bandeira libertária de movimentos de minorias sexuais – com a MPB, a bossa nova e o público da cidade de São Paulo. Para chegar até lá, ao palco da praça Júlio Prestes, havia selva urbana a atravessar.

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BKlCmrpCcAANPJk.jpg-largeCortando caminho a pé pela chamada Cracolândia, entre a avenida São João e a praça Júlio Prestes, passei por bares animados onde o samba se encontrava com o bate-papo em mesas na calçada e com grupos de garis ainda em início de turno (foto acima). Também dei de cara – surpresa!  - com uma típica aparelhagem (foto à esq.) que tocava o mais delicioso e contagiante tecnobrega do Pará. Hora de recomeçar a choradeira – como São Paulo pode ser maravilhosa nos menores detalhes de sua gigantesca diversidade.

Cruzei também o palco reggaeiro da alameda Barão de Limeira, que me impedia de ver, lá atrás, o prédio da Folha de São Paulo, onde trabalhei por dez anos nos anos 1990 e 2000. Ali se apresentava um grupo de samba que não pude reconhecer, mas que cantava uma música de Paulo Vanzolini.

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Chegando à Júlio Prestes, lotadíssima, dei de cara imediatamente com manifestações (foto à dir.) que me fizeram suspeitar que a politização poderia vir a ser uma marca desta Virada 2013 (será?, será que foi?).

Mais choradeira :dividindo espaço com a família completa do prefeito (ele, a esposa e os dois filhos), diversos casais abraçados (como o da foto abaixo) cantavam em coro “Como Nossos Pais”, sucesso do cearense Belchior na voz da gaúcha Elis Regina em 1976, hoje reinterpretado pela baiana Daniela ao lado do paulistaníssimo Zimbo Trio. Se já tinha parecido politizada, a “minha” Virada agora estava tomando um gostinho de libertária. “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo que fizemos/ ainda somos os mesmos e vivemos/ ainda somos os mesmos e vivemos/ como nossos pais” – somos?, vivemos?

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A inquietação do “preciso ver tudo” continuava. A sensação de, digamos, “desespero cultural” crescia. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte, não era assim que cantavam os paulistanos Titãs? A esta altura, eu já havia perdido ou estava começando a perder BarbatuquesBanda Mirim e  Palavra Cantada (no palco da Luz), o rapper pioneiríssimo Pepeu (na avenida Rio Branco), Leandro Lehart (na República), Luê Luiz Caldas (no largo do Arouche), Ritmistas + Kassin + Jorge Mautner Lucas Santtana (na rua 25 de março) – isso só para falar dos altos de palco, e não de tudo que pode acontecer num chão de Virada. Me passava pela cabeça que não tem sentido, não tem sentido nenhum um evento dessas proporções, só para a gente perder QUASE tudo do que mais gostaria de ver.

BKlEaj4CIAAmiEv.jpg-largeNão cheguei a ver as versões Zimbo dos axés baianos de Daniela (segura o choro, rapaz!) - me forcei a pegar a estrada outra vez. De saída, não pude deixar de reparar, atrás do palco Júlio Prestes, a solidão protegida da erudita Sala São Paulo nessa noite de Virada pop (foto à dir.).

Corri fugido da Daniela para tentar ver um dos meus maiores ídolos particulares da música brasileira dos anos 1970, o ídolo samba-black hoje praticamente esquecido Paulo Diniz. E – nova surpresa! – o que tive de atravessar para chegar de volta ao palco da Barão de Limeira? O cortejo das culturas tradicionais!, que passava exatamente com o bloco paulistano Ilú Obá de Min, só de mulheres percussionistas que tocam para os orixás e para as divindades afrobrasileiras (foto abaixo). Mais choradeira. Tive um gostinho do carnaval de rua fora de hora que eu sonhava ver, e não sabia que estava vendo pela última vez nesta Virada.

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Não cheguei a tempo (ou saí cedo demais) para ouvir o maior clássico de Paulo Diniz, “Quero Voltar pra Bahia” (1970), aquele samba-soul que diz assim que “I don’t want to stay here/ I wanna to go back to Bahia” (ah, como eu gostaria de ver o secretário baiano de Cultura Juca Ferreira vendo o pernambucano Paulo Diniz cantar isso…).

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Paulo parecia frágil, fraquinho, um fiapinho de voz – mas com aquela maravilhosa rouquidão antiga preservada nas passagens mais ásperas de suas ternas canções. Havia bem pouca gente em seu show – os que estavam, no entanto, cantavam em coro, aos gritos e às lágrimas “Um Chope pra Distrair” (1970), “Como?” (1972, do samba-roqueiro gaúcho apaulistanado Luis Vagner), “Pingos de Amor” (1971)…

O artista pernambucano se lembrou dos anos em que viveu aqui mesmo, nessas mesmas ruas do centro, e de como era (é) dura a vida na cidade de São Paulo para forasteiros como nós (mas só para nós?). Mais uma vez, a gente chorou.

Em mim, a aflição do “não posso perder nada” não dava sombra de passar, e fui me distanciando do Paulo Diniz sem poder ouvir minha predileta “Ponha um Arco-Íris na Sua Moringa” (1970), mas ouvindo ficar mais longe e mais longe e mais longe o “vamos ser/ outra vez nós dois/ vai chover/ pingos de amor…” Já com muitos quilômetros gastos em sola de tênis, era hora de perder o show de Gal Costa.

 


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